Meus queridos, esta semana saiu o Informativo
725 do STF. De forma resumida, seguem as principais ideias decididas pela
Corte:
ED e demarcação da
terra indígena Raposa Serra do Sol – A Ação Popular (Pet-3388) declarou a validade da Portaria 534, de 13.4.2005, do
Ministro de Estado da Justiça, que demarcou a Terra Indígena Raposa Serra do
Sol, e do Decreto Presidencial de 15.4.2005, que a homologou. Destaques:
1) No tocante à ausência
de citação do Estado de Roraima, desproveram-se os embargos. Admitido o ente
federativo somente como assistente simples, a fim de ingressar no processo na
situação em que se encontrava.
2) Quanto à natureza da
decisão proferida em ação popular, não seria mais aceito em caráter absoluto
entendimento segundo o qual apenas sentenças condenatórias seriam suscetíveis
de execução. Sobreviera o art. 475-N do CPC, cujo inciso I identificaria como
título executivo a sentença proferida no processo civil que reconhecesse a
existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia.
Esse dispositivo aplicar-se-ia à sentença que, ao julgar improcedente, parcial
ou totalmente, o pedido de declaração de inexistência de relação jurídica
obrigacional, reconhecesse a existência de obrigação do demandante para com o
demandado. O STF optara por dar execução própria a essa decisão.
3) Pessoas miscigenadas,
ou que vivessem maritalmente com índios, poderiam permanecer na área. A CF/88
teria caráter pluralista e inclusivo. O critério adotado pelo acórdão do STF
não seria genético, mas sociocultural.
4) Direito dos índios de
espaço exclusivo onde pudessem viver a própria cultura e religiosidade, não
exigiria a ausência de contato com pessoas de fora desse espaço, como os não
indígenas. Não seria legítima a presença de indivíduos que tivessem como
propósito interferir sobre a religião dos índios. A Constituição não teria por
objetivo impedir os índios de fazer suas próprias escolhas, como se devessem
permanecer em isolamento incondicional. Aplicável à questão religiosa a mesma
lógica aplicada quanto ao usufruto das riquezas do solo, que seria conciliável
com a eventual presença de não índios, desde que tudo ocorresse sob a liderança
institucional da União. Cabe às comunidades indígenas o direito de decidir se,
como, e em quais circunstâncias seria admissível a presença dos missionários e
seus templos. Não se trataria de ouvir a opinião dos índios, mas de dar a ela o
caráter definitivo que qualquer escolha existencial mereceria.
5) Entidades federadas
deveriam continuar a prestar serviços públicos nas terras indígenas, desde que
sob a liderança da União (CF, art. 22, XIV). Seria necessária a presença de
escolas públicas na área, desde que respeitadas as normas federais sobre a
educação dos índios, inclusive quanto ao currículo escolar e o conteúdo
programático.
6) Direito de passagem de
não índios pelas rodovias citadas, visto que os índios não exerceriam poder de
polícia.
7) Transitada em julgado
a sentença proferida em ação popular, nos termos do art. 18 da Lei 4.717/65 (eficácia
erga omnes), todos os processos relacionados deveriam adotar a seguinte
premissa: caracterização da área como terra indígena, resultando a
inviabilidade de pretensões possessórias ou dominiais de particulares de
boa-fé, salvo no tocante a benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
8) Quanto à posse das
fazendas desocupadas, o tema não teria sido objeto de decisão no acórdão.
Eventuais disputas do tipo deveriam ser resolvidas pelas comunidades
interessadas, com a participação da Funai e da União.
9) Não caberia ao STF
traçar parâmetros abstratos de conduta. As condições estabelecidas integrariam
o objeto da decisão e fariam coisa julgada material. Portanto, a incidência das
referidas diretrizes na reserva em comento não poderia ser objeto de questionamento
em outros processos. Entretanto, seria natural que esse pronunciamento servisse
de diretriz relevante para as autoridades estatais que viessem a enfrentar
novamente as mesmas questões.
10) Seria tarefa
ordinária do legislador a demarcação, mas, na ausência de disposições claras,
coubera à Corte discorrer. Essa ponderação não impediria que outros julgadores
chegassem a conclusões específicas diversas, que poderiam ser questionadas
pelas vias próprias.
11) A utilização das
terras indígenas pela União dependeria de lei complementar (CF, art. 231, §
6º)? A reserva de lei complementar prevista não alcançaria toda e qualquer
atuação da União nas terras indígenas. Ex: o patrulhamento de fronteiras, a
defesa nacional e a conservação ambiental nas áreas demarcadas.
12) Direito de
participação das comunidades indígenas nas decisões não seria absoluto. Certos
interesses também protegidos pela Constituição poderiam excepcionar ou limitar,
sob certas condições, o procedimento de consulta prévia. Ex: questões estratégicas
relacionadas à defesa nacional, planejamento das operações militares. Em
relação a outros temas, caberia às autoridades, e eventualmente ao Judiciário,
utilizar-se da Convenção 169 da OIT para ponderar os interesses em jogo. A
consulta às comunidades indígenas não significaria que as decisões dependessem
formalmente da aceitação dessas como requisito de validade. A mesma lógica se
aplicaria em matéria ambiental. Garantido o acesso ao Judiciário para impugnar
qualquer decisão da autoridade competente.
13) O instrumento da
demarcação, previsto no art. 231 da CF, não poderia ser empregado, em sede de
revisão administrativa, para ampliar a terra indígena já reconhecida, sob pena
de insegurança jurídica quanto ao espaço adjacente. Isso não impediria, entretanto,
que a área sujeita a uso pelos índios fosse aumentada por outras vias previstas
no direito. Os índios e suas comunidades poderiam adquirir imóveis na forma da
lei. A União poderia obter o domínio de outras áreas, por meio de compra e
venda, doação ou desapropriação. O acórdão não proibiria toda e qualquer
revisão do ato de demarcação. Permitir-se-ia o controle judicial, e a limitação
prevista no ato decisório alcançaria apenas o exercício da autotutela
administrativa. Portanto, não haveria espaço para nenhum tipo de revisão
fundada na conveniência e oportunidade do administrador. Isso não ocorreria,
porém, nos casos de vício no processo de demarcação. Impor-se-ia o dever à
Administração de anular suas decisões quando ilícitas, observado o prazo decadencial
de 5 anos. Vedado à União rever os atos de demarcação da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol, pois sua correção formal e material teria sido atestada pela
Corte.
14) O usufruto dos índios
não compreenderia a garimpagem ou a faiscação, que dependeriam de permissão de
lavra garimpeira. O usufruto não conferiria aos índios o direito de explorar os
recursos minerais sem autorização da União, nos termos de lei específica (CF,
artigos 176, § 1º, e 231, § 3º). Diferenciou-se mineração, como atividade
econômica, das formas tradicionais de extrativismo, nas quais a coleta
constituiria expressão cultural de determinadas comunidades indígenas.
15) Quanto à indenização
por obras públicas, fora da terra indígena que prejudicassem o usufruto, o
ponto não integraria o objeto da ação.
16) Tão logo transitado
em julgado o acórdão, cessaria a competência do STF. A execução estaria a
transcorrer, na justiça federal local, normalmente, e que não haveria mais
conflito federativo a sanar. Eventuais processos deveriam ser julgados pelos
órgãos locais competentes. Rel. Min. Roberto Barroso, 23.10.2013.
Proposta
de modulação dos efeitos da inconstitucionalidade parcial da EC 62/2009 (Emenda
do calote) – Em Março deste ano,
foram declarados parcialmente inconstitucionais dispositivos da EC 62/2009. Dispositivos
que foram declarados inconstitucionais:
a) a expressão “na data de expedição do precatório”,
contida no § 2º do art. 100 da CF. Preferência no pagamento de idosos, uma vez
que esse balizamento temporal traria a isonomia entre cidadãos credores da
Fazenda Pública ao discriminar, sem fundamento, aqueles que viessem a alcançar
60 anos em data posterior à expedição do precatório.
b) os §§ 9º e 10 do
art. 100 da CF, incluídos pela EC 62/2009, e o art. 97, II, do ADCT, que fixava
um regime unilateral de compensação dos débitos da Fazenda Pública inscritos em
precatório. Esse critério beneficiaria exclusivamente o devedor público, em ofensa
ao princípio da isonomia.
c) a expressão “índice oficial de remuneração básica da
caderneta de poupança”, constante do § 12 do art. 100 da CF. Para
que aos precatórios de natureza tributária se aplicassem os mesmos juros de
mora incidentes sobre o crédito tributário.
d) por arrastamento, a
mesma expressão contida no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pela Lei
11.960/2009, porquanto reproduziria a literalidade do comando contido no § 12
do art. 100 da CF.
e) o art. 97, § 1º,
II, e § 16 do ADCT, definidores do critério de atualização monetária dos
débitos fazendários inscritos em precatório. Afronta ao princípio da
proporcionalidade.
f) a expressão “independentemente de sua natureza”,
sem redução de texto, contida no § 12 do art. 100 da CF. Para afastar a
incidência dos juros moratórios calculados segundo índice de caderneta de
poupança em relações jurídico-tributárias.
g) por arrastamento,
conferiu-se interpretação conforme a Constituição à mesma expressão citada no
item anterior e contida no art. 1º-F da Lei
9.494/97, na redação dada pela Lei 11.960/2009.
h)
o § 15 do art. 100 da CF e todo o art. 97 do ADCT porque, ao criarem regime
especial para pagamento de precatórios veiculariam nova moratória na quitação
dos débitos judiciais e imporiam contingenciamento de recurso para esse fim, a
violar a cláusula constitucional do estado de direito, o princípio da separação
de poderes, o postulado da isonomia, a garantia do acesso à justiça, a
efetividade da tutela judicial, o direito adquirido e a coisa julgada.
Assim, o ministro Luiz
Fux, relator do processo fez a seguinte proposta de modulação dos efeitos da
sentença (inclusive com pedido de revisão sobre o posicionamento da Corte sobre
intervenção federal):
1) Quanto à declaração
de inconstitucionalidade da expressão “na data da expedição do precatório”
(CF, art. 100, § 2º, na redação da EC 62/2009), pontuou que a decisão deveria
ter efeito retroativo. Todo credor
que tivesse completado 60 anos de idade após a expedição do respectivo
precatório teria jus à nova preferência.
2) No que concerne ao
regime de compensação unilateral dos débitos da Fazenda Pública inscritos em
precatório, a decisão deveria produzir efeitos retrospectivos, a atingir toda e
qualquer compensação unilateral que tivesse sido realizada pelos Estados,
Distrito Federal e Municípios. Não existira qualquer ameaça à segurança
jurídica ou à estabilidade social ao se declarar retroativamente a invalidade
ou a tal prática arbitrária e anti-isonômica. Bastaria que os tribunais
acrescessem, aos valores dos precatórios constituídos, o montante
irregularmente compensado.
3) Declaração retroativa
de inconstitucionalidade da expressão “índice oficial de remuneração básica
da caderneta de poupança”. Atribuiu, também, eficácia retrospectiva à “independentemente
de sua natureza”. Quanto à declaração de inconstitucionalidade do § 15 do
art. 100 da CF e do art. 97 do ADCT, deveriam ter seus efeitos modulados no
tempo. O exercício financeiro de 2013 estaria próximo ao fim e boa parte do
planejamento orçamentário referente a 2014 fora realizado com base na
legislação vigente.
4) Seriam considerados
válidos os pagamentos realizados até o trânsito em julgado das ADI 4425/DF e
4357/DF nas modalidades leilão e quitação por acordo.
5) Seriam mantidos os
percentuais mínimos da receita corrente líquida, vinculados ao pagamento do
precatório, o que permitiria que Estados, Distrito Federal e Municípios dessem
continuidade à quitação de suas dívidas sem prejudicar o atendimento de outras
finalidades de interesse público.
6) Até o final do
exercício financeiro de 2018, Estados, Distrito Federal e Municípios devedores
que pagassem precatórios pelo regime especial não poderiam ter valores
sequestrados, exceto no caso de não liberação tempestiva dos recursos de que
tratariam o §§ 1º, II, e 2º do art. 97
do ADCT, por força do art. 97, § 13, do ADCT. Caso não houvesse liberação
tempestiva dos recursos vinculados ao pagamento dos precatórios, haveria o sequestro da quantia até o limite do
valor não liberado, constituir-se-ia em favor dos credores direito líquido e certo, autoaplicável e
independentemente de regulamentação e; o chefe do Poder Executivo responderá na
forma de legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa.
As compensações eventualmente já efetuadas também não causariam impacto gravoso
à segurança jurídica. Os tribunais seriam instados a acrescer aos valores dos
precatórios formados o montante regularmente compensado e que esses acréscimos
deveriam ser processados e quitados em ordem cronológica até final exercício
financeiro de 2018. O entendimento proposto teria aplicabilidade tanto a
precatórios pendentes de expedição, quanto a precatórios que viessem a surgir
até o final do exercício financeiro de 2018. Vencido o prazo ora fixado e findo
o exercício financeiro de 2018, seria imediatamente aplicável o novo art. 100
da CF, que preveria a possibilidade de sequestro de verbas públicas suficientes
para a satisfação do débito sempre que não ocorresse tempestiva alocação
orçamentária. Responsabilidade penal e administrativa do Presidente de tribunal
que retardasse ou tentasse frustrar a liquidação regular dos precatórios.
7) Momento oportuno
para que o STF revisse o entendimento de que a intervenção federal, quando
motivada por descumprimento de decisão judicial pelo não pagamento de
precatórios, estaria sujeita à comprovação do dolo e da atuação deliberada do
gestor público em furtar-se à sujeição ao direito. Isso porque a prova de dolo
inviabilizaria qualquer pedido de intervenção. A intervenção federal existente
em estado potencial na legislação brasileira teria sido reduzida a zero e que
seria necessário romper esse círculo vicioso. Se a intervenção federal não
fosse medida adequada para quitar todos os precatórios pendentes, seria
conveniente a criação de rede de incentivos que estimulassem o adimplemento. Se
adviesse o exercício financeiro ora proposto – 2018 – sem pagamento as dívidas
ou sem que viabilizassem formas alternativas para fazê-lo, deveria ser aplicado
de imediato o art. 100 da CF, bem como deveria ser cabível a intervenção
federal ou estatal, no caso de Municípios. Após, concluída a proposta do
relator, pediu vista o Ministro Roberto Barroso. ADI-4357 / ADI 4425 QO/DF, rel. Min. Luiz Fux, 24.10.2013.
Vamos
acompanhar esse julgamento, pois existe a possibilidade de uma virada
jurisprudencial sobre a aceitação de intervenção federal quando não pagos
devidamente os precatórios (a posição atual do STF é de que não é possível a
intervenção federal nesses casos).
Bons estudos!